quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A leitura de mundo

A grande preocupação da escola é praticar a leitura e a escrita dos alunos. A escola segue os passos de sempre. Os alunos aprendem a ler e a escrever de forma mecânica. Não interagindo com o meio ou com o contexto social. A criança é alfabetizada sem estar inserida no mundo. Aprende a ler e a escrever sem a leitura do mundo.

A leitura na escola é sistemática. São ensinadas a gramática, as regras gramaticais e a leitura de mundo, de realidade é relegada a um segundo plano (se sobrar tempo).

Esse tipo de ensino é o produtor de muitos problemas que encontramos hoje, inclusive nós, de não entendermos o texto que nos é apresentado. De não conseguirmos dialogar com o autor e tampouco entendermos sua mensagem.

Muitas vezes, nós professores, encontramos dificuldades de nos fazer entender, devido ao sistema que nos afastou do mundo, da realidade. E essa dificuldade não está relacionada ao tempo de estudo e sim com a leitura mecânica a que nos habituamos.

A escola deveria ter a preocupação de interagir com o mundo do aluno, com os conhecimentos que ele traz, com seu meio social, com sua cultura.

Tenho um aluno que pertence a uma família de papeleiros e seu desenvolvimento em aula, seu relacionamento com os outros colegas, seu conhecimento de mundo é de certa forma superior aos demais coleguinhas. Ele tem uma visão e conhecimento muito superior a maioria dos alunos. Tem uma capacidade de contar e envolver os colegas em histórias, que me deixava de certa maneira confusa. Percebe-se que a leitura, interpretação de fatos e textos e produção de histórias têm muito a ver com o familiar, com o meio, com o social de cada um. Mesmo sendo de uma família muito pobre meu aluno interage com o mundo, com o outro. Ele está no mundo.

Acredito que o professor precisa refletir sobre a sua função social, precisa investir na história de cada um de seus alunos. O professor precisa trabalhar o contexto de seus alunos, precisa conhecer seus mundos.

E seu nome era Jonas

Jonas passou três anos e quatro meses de sua vida em uma instituição para deficientes mentais. Ao final desse tempo retorna ao lar.

Em sua casa moram o pai, a mãe e um irmão menor. O pai não aceita que Jonas seja um ser diferente, chegando ao ponto de abandonar a família por não conseguir conviver com os problemas familiares e por não querer conviver com um filho que ele considera “anormal”.

Em casa Jonas tenta se fazer entender e não consegue sucesso. A língua de sinais não era conhecida de seus familiares e parece que também não era uma prática aceitável na época.

As escolas, despreparadas, não aceitavam as diferenças e tentavam alfabetizar seus alunos de qualquer modo, custasse o que custasse, utilizando o método de repetição.

Quando Jonas foi matriculado em uma delas recomendavam o uso de aparelho de audição e proibiram a língua de sinais, pois isso se tornaria um “vício” e ele nunca mais iria “falar”. Nunca iria ser um membro inserido totalmente na sociedade e seu mundo de relacionamentos seria somente o de surdos. Entendiam e aceitavam como verdadeira somente a comunicação oral.

Com alguns alunos esse tipo de escola conseguia sucesso e com os que não conseguiam rotulava de retardados.

Com Jonas não foi diferente. Usou aparelho, participou das aulas juntamente com seus colegas, mas não se adaptou. Apresentava rebeldia e não aceitação do fato. Tinha no avô, o melhor amigo.

A mãe sempre presente na vida de Jonas não se conformava em não conseguir se comunicar com o filho. O fato que desencadeia a busca da mãe por solução para o problema que estava enfrentando, ou seja, se comunicar com Jonas foi a ansiedade e o desespero de Jonas para tentar se fazer entender, por sinais, que queria um cachorro-quente.

O não conformismo da mãe com a situação é o que faz a vida de Jonas se transformar num novo mundo, num mundo de descobertas. Estando sempre em busca dessa solução buscava ajuda e orientação. Informava-se da validade ou não da língua de sinais. Pesquisava, buscava soluções para poder estabelecer comunicação com o filho. Estava sempre atenta.

Certa vez, em uma sala de espera, de uma clínica especializada viu um casal juntamente com seu filho se comunicando através de sinais. Foi conversar com o casal e descobriu que ambos eram surdos.

O homem havia nascido surdo e sua esposa ficou aos sete anos. Este casal convida a mãe de Jonas a participar de uma reunião no “Clube dos Surdos”. Vai, juntamente com uma amiga, a princípio com certa desconfiança e preconceitos. Lá conhece e se encanta com a facilidade de comunicação que os membros do clube estabelecem entre si.

Decide que é aquilo que quer para o filho. Que quer se comunicar com o filho. Quer entender Jonas e se fazer entender por ele.

Comunica à escola que Jonas vai aprender a língua de sinais. A professora não aceita, chegando ao ponto de dizer que amarrará as mãos de Jonas se preciso for.

Jonas é retirado da escola pela mãe.

A mãe leva Jonas para conhecer um membro do clube. E este começa a ensinar para Jonas a língua de sinais.

A comunicação começa a ser estabelecida na família, pois até o irmão menor de Jonas começa a sinalizar juntamente com ele.

Língua dos sinais- a nossa primeira língua!

Língua!!! E não linguagem! Não tinha me dado conta da diferença que existe entre as duas palavras. Até então pensava que era a linguagem dos sinais. Lendo os textos me dou conta do erro cometido.

Libras é uma língua falada por uma comunidade que possui uma cultura própria.

A única pessoa surda que conheço é mãe de uma ex- aluna. E esta ex- aluna, neste ano letivo, me ajudou a ensinar o alfabeto manual para meus alunos.

Para falar com uma pessoa surda é necessário manter o contato visual, pois segundo informações pesquisadas um grande número de surdos sabe fazer leitura labial. Para chamar a atenção de uma pessoa surda devemos tocá-los e se estivermos longe devemos sinalizar de alguma maneira.

Acho de extrema importância conhecer o alfabeto manual para interagirmos com uma pessoa surda e também é muito importante conhecermos alguns sinais básicos. É de extrema necessidade ensinar também nossos alunos a se interessarem por essa língua. Não seria muito mais fácil a inclusão de um aluno surdo, em uma sala de ouvintes, se todos os seus colegas dominassem a língua de sinais? Não seria muito mais fácil se fosse aproveitada a comunicação gestual (pois todos nós começamos a nos comunicar com sinais) da criança desde que ela é bebê e aos poucos fosse ensinada a ela, desde a escolinha a língua de sinais e o português?

Penso se assim fosse, toda a discriminação, os tabus e os preconceitos deixariam de existir. O aluno surdo aprenderia com maior facilidade e sua interação com o mundo se daria da forma mais natural possível.

Todos nós sabemos que escolas especializadas são poucas e se torna muito difícil para os surdos de famílias pobres estudarem, mas todos os professores dominassem a língua, e se fosse ensinada a todas as crianças, com certeza a vida dos surdos seria muito mais fácil.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Falar, escrever e ler

Não se fala não se escreve ou mesmo não se lê do mesmo jeito. Esse falar, escrever e ler depende sempre da concepção teórica utilizada pela escola, professor ou mesmo por uma época.
Isso dependerá muito do tipo de escola que se está inserido como também da visão de mundo do professor e do aluno. Essa alfabetização ou letramento é algo que se constitui no tempo, na história ou na sociedade.
Podemos encontrar dentro de nossas escolas professores que lêem maravilhosamente e escrevem textos gramaticalmente corretos, mas não sabem ler o mundo a sua volta. Não conseguem comunicar o que pensam. E também podemos encontrar alunos que apresentam “dificuldades” em escrever e ler, mas têm uma leitura de mundo extremamente crítica e expressam seu pensamento de forma clara e coesa.
Com os meios de comunicação instantânea nossos jovens estão criando uma nova forma de escrita e onde se fazem entender por seus pares sem problemas e isto em tempos anteriores seria considerado um ultraje à língua. Ficamos, nós, professores meio perdidos, pois não esperávamos que nossos alunos criassem uma nova linguagem. Nós achávamos que só os “adultos” seriam capazes de criá-la.

EJA

A educação libertadora é o conceito de educação, buscado em Freire, que parece nortear o Parecer CEB 11/2000, pois na leitura do mesmo, o EJA tem a função de resgatar uma dívida histórica que a sociedade mantém com os menos favorecidos. Por muito tempo uma grande parcela de cidadãos se viu à margem da sociedade devido à falta de alfabetização que não lhes foi proporcionada por diferentes motivos.

O atual sistema capitalista que tanto beneficia alguns faz com que uma grande parcela da sociedade seja esquecida. A sociedade por muito tempo esqueceu-se de letrar aqueles que a faziam crescer.

Uma lei voltada para o assunto tem a esperança (utopia, como diria Freire) de resgatar essa tão grande dívida.

Para tentar estabelecer este diálogo e resgatar esses cidadãos a EJA se articula em torno de quatro fundamentos:

aprender a conhecer adquirindo instrumentos de compreensão;

aprender a fazer para agir sobre o meio envolvente;

aprender a viver juntos, para participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas;

aprender a ser para melhor desenvolver a sua personalidade.

Estes quatro eixos giram também no entorno do conceito de igualdade, pois somente a educação faz com que o homem busque ser autor de sua história.

O papel dos professores, ou melhor o desafio dos professores, será no que diz respeito a formação. Esta deverá ser permanente e também os conceitos éticos,destes profissionais, deverão estar voltados para uma perspectiva emancipatória. Os professores que desejam trabalhar com alfabetização de adultos, ou mesmo com a educação de adultos em outros níveis tem de se dar conta que esse ensino não poderá se dar de forma mecânica num simplório ato de juntar letras ou mesmo formar frases. Esses profissionais precisam estar preparados para um desenvolvimento crítico da leitura de mundo onde a emancipação se dará e as transformações sociais ocorrerão.

Pode-se entender pela leitura do Parecer que a EJA tenta resgatar e provocar, através do estudo, a reflexão grande parcela de cidadãos que por motivos diversos se manteve afastada dos bancos escolares.

Numa sociedade extremamente competitiva os menos favorecidos são jogados à margem da mesma. São obrigados a exercerem suas atividades naquilo que chamamos de subemprego e que por sua vez, por falta de um pensamento reflexivo, conduz a marginalidade.

Com a finalidade de resgatar esses cidadãos, educando-os para elaboram uma leitura crítica de mundo, a EJA está fazendo o seu papel; capacitando os menos favorecidos, elevando sua estima, tornando-os capazes de entrarem no mercado de trabalho e de buscarem seus conhecimentos.

A EJA deve estar voltada para o mundo do aluno. Preparando- os para conhecerem e viverem o mundo.

Para que o conceito principal da EJA se concretize, ou seja, para que a educação se torne em algo realmente que liberte, é preciso que se parta do mundo vivido, de um contexto concreto para que o aluno se insira, no mercado de trabalho, em algo que realmente saiba e goste de fazer, pois se assim for, o homem será capaz de construir a sociedade.

O trabalho ao mesmo tempo em que cria condições que favorecem o homem também o escraviza e o professor da EJA deverá ter muito cuidado para não passar leituras de mundo erradas ou ideológicas.